terça-feira, abril 07, 2009

História de amor. Primeira tentativa

Saí do cavalo, que era um burro, dei-lhe um beijo e fiz-lhe duas festas, ele gostava, e com os olhos procurei aquilo que ainda não sabia e muito menos conhecia e que finalmente encontrei. Preparei-me, ou seja ganhar coragem, e avancei meio a cambalear do nervosismo que sentia, de alvo focado, ou seja extasiadamente pasmado, ignorava quem por mim passava e nos meus ombros se esbarrava. Larguei o escudo, de que serve o escudo quando o inimigo é mais feroz que um dragão, tirei o helmo, que mais valia ter deixado a servir de barreira protectora de puros olhos e pavorosa visão de um mostrengo, e não, não meto medo. Quando finalmente cheguei todas as palavras que pelo curto, mas que parecera uma eternidade, caminho pensara começavam sucessiva e velozmente a me abandonar, deixando-me ainda mais indefeso e envergonhado, sem escudo e helmo, caídos no passeio, apenas com a espada que lhe encostei ao pescoço imediatamente antes de lhe gritar com todas as forças que tinha (ou seja alto pois guardava em mim forças que eu próprio desconhecia), «olá».

Não sabia como lidar com tal situação pois em toda a minha vida nunca se me havia afigurado tamanha beleza, e com isto veio o silencio. Para mim tudo parou, deixei de ouvir as mais de mil almas que na grande praça se haviam reunido pois era uma semana de festa, a queima das bruxas, praxe que a mim incomodava e atormentava mas que a beleza, naquele momento, diante de mim, a uma espada de distância, me fazia esquecer. Esperava eu apenas ver os seus lábios mexer e foi o que aconteceu. Como? Passo agora a relatar na linha debaixo.

Colocou sua bela mão de cinco finos dedos no meu ombro, encostou os seus lábios à minha orelha esquerda e sussurrou-me um «sim» que fez a minha alma rejubilar e as minhas pernas tremer, surpreendidas pela súbita inundação de alegria que muito fez pesar o meu corpo curvado, mesmo sem saber qual a pergunta para a resposta que recebera, mas é sempre bom ouvir um «sim», principalmente quando sussurrado ao ouvido por tão perfeitos lábios. Seus lábios voltaram-se a mover e lentamente foram encontrar os meus que ao se tocarem me fez esquecer todos os dogmas e problemas que sentia. Tive uma epifania e ao abrir os olhos vi os meus rivais que por tão fina donzela também se haviam apaixonado e que agora choravam desconsolados, de joelhos no chão e de corações arrancados. Olhei para todos eles e em seguida para o céu e bradei.

«Longas hordas de chorosos mancebos,
A maior prova do vosso valor e lindeza
E do amor que só nós sentimos e sabemos.

Peões condenados, à partida, à tristeza
E para ajudar a cantar tão principal senhora
Que a mim escolheu para governar sua beleza.

Ai céus e anjos e demais loiros milagreiros
Que nos celebram a tocar suas cornetas.
Chorem idiotas, feiosos, pernetas,
Pois vossos gemidos angustiosos e perdidos
Quão mais alto forem ouvidos e sentidos
À minha fortuna valor mais acrescentarão
Porque vossas lágrimas meu amor são,
Que em vós fere como tiros certeiros.»



Era agora em mim o centro do mundo, era eu tudo e o resto era nada, uma perfeita divisão onde para nenhum choroso felicidade sobrava. Peguei na minha senhora e a meti em cima do cavalo, que continuava um burro, e cavalguei, ou algo que a isso se assemelhava, sem muito me preocupar com a direcção pois qualquer uma que essa fosse invariavelmente me levaria, resultado de tão formosa companhia, à felicidade.

E juntos vivemos felizes para sempre, durante dois meses, até que sorrateira e malfadada doença se lhe instalou no peito e a fez tossir e cuspir sangue ao longo de duas longas semanas, e que me fez em desespero descrever num papel a situação e enviar num pombo para um curandeiro cubano, que vivia na cidade, a pedir tão precioso e desesperado auxílio, a levou para longe de mim. Suas últimas palavras foram «a razão de te ter escolhido a ti foi por tu teres essa incrível e», ao que em seguida tossiu, fechou os olhos e morreu. Dois dias mais tarde o pombo voltou e com ele a mensagem do curandeiro que dizia «Como assim?».